Em uma certa tarde de outono, as folhas das árvores, já sem aquele verde que coloria a paisagem, brigavam contra o vento para se sustentarem nos galhos, se mantendo ligadas à árvore e assim, ainda, fazendo parte de algo, fazendo parte da vida.
Assistindo a toda aquela luta das folhas contra o impiedoso vento, estava um homem, sentado em um banco da praça, em frente às árvores. O vento soprava frio em seu rosto triste, mas não conseguia a menor reação dele. Ele olhava fixo para as folhas e intimamente se sentia como uma delas. A alegria foi para ele como a primavera foi para as folhas, trouxe uma vida nova, trouxe cor, mas, um dia, chegou o outono. O vento que tanto insiste em levar todas as folhas, amarelas e murchas, é como o pensamento de tudo chegar ao um fim em sua vida. Como as folhas, ele insistia em viver, mesmo sabendo que um dia ele se soltaria do galho que o liga a sua árvore e voaria livre com o vento.
Em sua Juventude, ele vivera entre as flores, melhor seria dizer que ele tinha para si a mais bela de todas a flores. A beleza dela era tamanha que o sol, com todo seu brilho, era ofuscado pela luz de seu sorriso. Olhar para ela era algo só comparado com a visão de um imenso campo florido, com as mais belas flores do mundo, debaixo de um céu azul e um sol radiante. Talvez não havia maneira de descrevê-la com palavras, mas se alguém olhasse nos olhos deste homem, quando este a tinha em foco, saberia dizer ou poderia sentir toda a magia que emanava dela enfim.
Ele a amou como nunca alguém havia antes. Ela era a sua vida. Era o ar que ele respirava, o coração que não batia, mas sussurrava em seu peito o seu nome, era cada pensamento, cada sonho, cada segundo de sua história. Ele a amava incondicionalmente, não sabia se ela o amava de verdade, mas o fato de vê-la ao seu lado, sorrindo, era já a retribuição de todo amor que ele sentia e que parecia crescer a cada dia, a cada segundo ou a cada sorriso. Seu amor perdeu todos os limites reais ou imaginários.
Ela tinha nele alguém especial e seu amor, que ao mesmo tempo a encantava, também a assustava, pois por mais que tentasse não conseguia enxergar a dimensão de todo amor que recebia, mas era feliz por ter alguém tão especial ao seu lado.
Eles formavam o mais belo casal que o mundo um dia teve. Não pela a beleza física, mas pelo sentimento que era possível sentir quando estavam juntos. Era contagioso, como por onde passassem um rastro de corações perfumados ficavam para trás marcando seus caminhos. Tantos foram os lugares onde serviram de palco para que eles apresentassem o seu amor e outros tantos foram testemunhas de tanta entrega.
Mas como toda primavera não dura para sempre, a dele também não poderia durar. Ali, naquela mesma praça, também em uma tarde de outono eles marcaram de se encontrar. Ele chegou pontualmente adiantado, nunca haveria de deixa-la esperando um minuto sequer. Foi até o banco, o qual muitas vezes abrigou doces abraços, e se sentou para esperar pelo amor de sua vida. Pensou consigo:
“A esperaria por toda minha vida”.
Ela havia ido a um ponto mais afastado da cidade, com toda a sua família e voltava ansiosa para reencontrar aquele que a tanto amava. Pensava em todos os momentos que passaram juntos, tantos planos que fizeram e na saudade que apertava em seu peito. A distância que agora estava dele a fizera enxergar a dimensão do amor e estava louca para abraça-lo e dizer que era feliz porque agora sabe a dimensão de todo o sentimento que eles sentiam. Ela estava tão longe em seus pensamentos que não viu a hora que o carro perdeu o controle e caiu de uma ribanceira, direto para dentro de um lago. O destino deu seu toque trágico, ninguém se salvou.
Ele continuava na praça, sentado no banco, esperando por ela. Nem a fina chuva fora de época o fez arredar dali. Quando alguém chegou até ele para contar o ocorrido ele se recusou a acreditar. Continuo sentado ali por horas, por dias, até que suas forças físicas foram vencidas e ele caiu desfalecido. Ficou no hospital por dias. Não acompanhou o funeral, as homenagens e o último adeus. Permanecia no hospital olhando pela janela do quarto em direção à praça, como que se esperando alguém aparecer de repente e dizer que tudo foi um terrível pesadelo. Mas ninguém apareceu.
Os dias foram passando e ele, fielmente, sempre estava lá na praça, na hora marcada, sentado no banco, olhando para o infinito. Quando a primeira estrela brilhava no céu, ele a olhava fixamente como quem tentava reconhecer ou encontrar algo que se perdeu, ficava assim por alguns minutos e vai embora. As pessoas se comoviam com tanta dor, mas ninguém se sentia no direito de se intrometer e mesmo se tentassem ele não permitiria.
Outonos e mais outonos se passaram e o ritual se repetiu. A juventude, como sua alegria, também já foi embora e agora neste outono ele é como as folhas, cansadas e enrugadas. Nunca havia reparado nas folhas como reparou neste dia. Viu nelas toda sua persistência, mas também toda sua fragilidade.
O vento soprou mais forte e um cisco entrou em seus olhos. Com muita dificuldade ele conseguiu remover e abrir os olhos. Quando olhou para frente não podia acreditar no que seus olhos viam. A flor de todas as flores, o amor de sua vida estava a sua frente e com aquele sorriso que ofuscava o sol. Ela ainda estava jovem e ele ao passar as mãos nos olhos pensando estar delirando, viu que suas mãos também não estavam mais enrugadas e era jovem de novo. Não se contendo mais ele a enlaçou em seus braços e olhando dentro de seus olhos disse:
“Eu sempre soube que você viria”
E sorrindo ela lhe disse:
“E eu sempre soube que me esperaria, mas agora chegou a hora de irmos viver o nosso amor. Já não temos mais galhos que nos prendem à árvore. Agora vamos juntos para onde o vento nos levar”
E o vento soprou forte naquela tarde de outono e levou consigo as últimas folhas...
Cael Soares
Um comentário:
Eu sou uma boba chorona que se emociona com tudo, isso é fato kk. Mas o seu texto... nossa... Tocou lá no fundo. As descrições, as escolhas de palavras... enfim, toda a construção, fez-me conectar com o texto. Obrigada por essa experiência.
Postar um comentário